tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave

o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

Patético
(Vinicius de Moraes)
E muda - eu lhe dou adeus de todos os espaços
Grito o seu nome em todas as ruas - e os trens passam deixando a distância nas
casas que dormem
Mas está muda e ausente - e os trens passam e eu grito o seu nome…
Ah, meu amor! por que a saudade está me chamando para a noite?
Sou eu, sou eu! aquele cuja alma se estende sobre a vida
Eu, eu... E logo nada mais serei que memória e dolorosa lembrança
Teus gestos e teus olhares de profunda inocência, onde estão?
Nada se move... - há uma luz, um leito e uma lua lá longe...
Talvez eu esteja prisioneiro de um destino atroz - socorre-me!
Talvez eu esteja sofrendo um instante atroz - liberta-me!
Quero a calma, a pureza, a serenidade do teu mundo
Quero as manhãs nascendo e as tardes se pondo docemente
Não quero o horror! as convulsões, os desânimos, as lágrimas, a cólera
Quero as tuas mãos - e não as encontro no ar, no mar, no luar, no caminhar
Adormece e vem - eu sei que sou forte e belo para a vida
Sei que há um gênio inquieto na minha palavra que um dia será ouvida
Mas nesse momento quero apenas que seja tu a que sabe e a que recebe
Onde estás? - no país distante que fica ao poente ou no país presente que fica
ao levante?…
Ausente - muda e ausente! crianças que sonham trazei-me o seu sono
Estrelas que dormem trazei-me o seu sonho. - Mas quem bateu na minha janela?
- Foi o grito dos trens partindo da tristeza de uns para a alegria de outros
- Foi o grito do além pedindo o orvalho das madrugadas para a carne dos
infelizes…
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